DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Indígenas produzem e fazem a economia girar no Uiramutã
Aumenta o número de pequenas empresas no município mais indígena do País; mercado regional ganha força com produção e serviço do povo macuxi
Foto: Gedeão Macuxi
A artesã macuxi Ludernilda Miguel produz biojoias em harmonia com o meio ambiente
AMILCAR JÚNIOR Reportagem
Município mais indígena do País, Uiramutã, ao Norte de Roraima, vem se destacando no cenário econômico com a atuação marcante de microempreendedores individuais. Os indígenas da etnia Macuxi descobriram no MEI (Microempreendedor Individual) uma oportunidade para melhorar de vida e expandir sua cultura com bons negócios, a partir da abertura de pequenas empresas que geram emprego e renda.
A artesã macuxi Ludernilda Miguel André, moradora da comunidade indígena Maturuca, a 44 quilômetros da sede do município, confecciona e vende colares e outras peças artesanais produzidas com penas, missangas e sementes colhidas na floresta. Ela lembra que tinha dez anos quando começou a fazer biojoias com a mãe.
“Essa cultura atravessa gerações. Minha vó ensinou minha mãe, que também me ensinou em casa. Depois, me aperfeiçoei na escola fazendo cursos. Aprendi também com meus antepassados que é importante manter uma relação de harmonia com o meio ambiente, pois precisamos dele para sobreviver. Hoje ganho uma renda extra justamente porque sempre trabalhei respeitando a natureza”.
Mãe de quatro filhos, a indígena disse que fatura em média R$ 1.500,00 por mês, vendendo biojoias para moradores da região e turistas. O preço do colar varia entre R$ 60,00 e R$ 200,00. O prendedor de cabelo sai por R$ 35,00 e o cocar custa até R$ 400. “É uma renda que me ajuda muito, contudo o mais importante é manter nossa cultura viva”, ressaltou.
Agricultor macuxi faz molho de pimenta e conquista mercado regional
Jardeson Pinho
Arthur Filho, indígena macuxi, já plantou este ano mais de dois mil pés de pimenta
O agricultor macuxi Arthur Nabuco de Araújo Filho, de 45 anos, planta pimenta, colhe, processa o molho e abastece o comércio na sede do Uiramutã. Há seis anos como microempreendedor individual, ele agora expande sua produção e conquista novos mercados, vendendo seu produto na Capital Boa Vista e em outros três municípios ao Norte de Roraima: Normandia, Bonfim e Pacaraima.
A história de Arthur leva inspiração a quem busca iniciar seu próprio negócio. Nascido na comunidade indígena do Socó, a 23 quilômetros da sede do Uiramutã, desde criança o macuxi aprendeu com os pais a cultivar a terra e dela tirar seu sustento. Hoje, Arthur se consolida como um dos maiores agricultores da região, com mais de dois mil pés de pimenta cultivados.
“A pimenta é o carro-chefe sem dúvida, mas também planto hortaliças e frutas. Ainda tenho criação de galinha caipira e peixe. Minha produção já abastece o comércio regional e vai parar até na merenda escolar de nossas crianças, que se alimentam com produtos mais saudáveis porque não utilizo fertilizantes químicos. Toda minha plantação é orgânica”, garantiu.
Arthur também planta maracujá, manga, caju, melancia, batata, macaxeira, cheiro verde, cebolinha, alface e couve. Na última safra, em pouco mais de três mil hectares, o agricultor produziu três toneladas de macaxeira, duas toneladas de milho e 27 quilos de poupa de maracujá.
Contudo, o mais gratificante, segundo Arthur, é que toda sua família participa do processo de produção. “Tenho seis filhos que plantam e colhem comigo. Então, aproveito para repassar a eles o que meu pai me ensinou. Mostro que podemos tirar nosso sustento da terra, mas é preciso cuidar bem dela. Já minha esposa, que é nutricionista, me ajuda na hora de industrializar o molho de pimenta. Acredito que agricultura familiar é isso”.
A renda mensal de Arthur chega hoje a R$ 27 mil, mas ele disse que não vai parar por aí. O produtor vai se inscrever ainda este ano no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) para ganhar o Selo Nacional da Agricultura Familiar (SENAF). “Depois disso, vou poder comercializar meu molho de pimenta para grandes redes de supermercado de Roraima e do País. Este é meu objetivo”.
Dono de restaurante investe em pratos típicos da culinária indígena
Amilcar Júnior
Dono do restaurante Macuxi, o microempreendedor indígena Jefferson Xavier (no meio) tirou MEI e já contratou dois funcionários
A pimenta cultivada e industrializada pelo Arthur é servida no restaurante Macuxi, que fica na sede do Uiramutã. Também microempreendedor, o indígena Jefferson Nathan Ribeiro Xavier, dono do estabelecimento, conta que prefere comprar de produtores locais porque as frutas, verduras e legumes são mais saudáveis e saem mais em conta.
Há cinco anos no mercado, Jefferson disponibiliza à sua clientela um cardápio variado com pratos típicos da culinária indígena de Roraima. Ele serve a tradicional Damorida – feita com peixe, pimenta e chicória – com beiju, que é uma iguaria feita com fécula de mandioca. O microempreendedor vende em média 100 refeições por mês e seu lucro líquido já chega a R$ 5 mil. O negócio vem dando tão certo, que Jefferson já contratou até dois funcionários.
“A economia no Uiramutã sem dúvida gira em torno das pequenas empresas. O microempreendedor produz, comercializa e presta serviço aqui mesmo, ou seja, a cadeia produtiva faz o dinheiro circular no comércio local e todos ganham com isso”, observou.
Professor indígena lucra com publicidade
Amilcar Júnior
Jardeson Pinho, professor macuxi, ganha renda extra fazendo divulgação de comerciantes do Uiramutã
No ramo de prestação de serviços, o professor Jardeson Francisco Ribeiro Pinho, também indígena macuxi, foi mais um que encontrou no microempreendedorismo um meio de ganhar renda extra. Ele é um dos administradores do site de notícias Crazy News, único com MEI registrado no Uiramutã.
“Com a expansão da nossa economia, vi a possibilidade de faturar com a publicação de anúncios. Então, ingressei no projeto do site e no final deu tudo certo. Hoje, os comerciantes locais me procuram para fazer divulgação. A propaganda também é um campo promissor no município”, ressaltou.
Com a abertura do MEI, o único site de notícias do Uiramutã deu um importante salto este ano e assinou contrato com uma agência de publicidade de Boa Vista, que aposta no público indígena. O faturamento mensal da pequena empresa de comunicação chega hoje a R$ 10 mil.
“A proposta agora é continuar se destacando no disputado mercado da comunicação roraimense, pois somos o único canal que trabalha com matérias regionais exclusivas, dando visibilidade aos produtos daqui e sendo também a voz do povo Macuxi”, concluiu Jardeson.
Sala do Empreendedor; “mola mestra” da economia
Amilcar Júnior
Capacitado pelo Sebrae-RR, o indígena macuxi Rennerys Saymon é responsável pela Sala do Empreendedor no Uiramutã
O espaço é pequeno, mas proporciona grandes negócios no Uiramutã. A Sala do Empreendedor, uma parceria entre Prefeitura do Uiramutã e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RR), foi implantada há seis anos no município. O escritório funciona há quatro anos na sede da prefeitura e atende hoje a 75 microempreendedores individuais ativos.
O agente de desenvolvimento econômico municipal, Rennerys Saymon, indígena macuxi capacitado pelo Sebrae-RR, falou da importância da Sala para os microempreendedores do Uiramutã.
“A parceria é simples, mas o resultado surpreende. A prefeitura entra com a logística e disponibiliza o servidor municipal que atuará como agente de desenvolvimento, atendendo aos clientes empresários. O Sebrae-RR então fica responsável pelas capacitações do agente, orientações e ferramentas de atendimento, como computadores, banners e outros. A Sala junto com o Sebrae também realiza capacitações e cursos voltados à realidade do município”, explicou Saymon.
A parceria está dando certo. Hoje, Uiramutã conta com 75 microempreendedores individuais ativos. O agente de desenvolvimento ressaltou que a Sala funciona como “mola mestra” da cadeia produtiva e comercial que impulsiona a economia na região. Saymon enfatizou que a proposta da Sala é justamente essa: fomentar o microempreendedorismo indígena para desenvolver economicamente a região com a geração de emprego e renda.
“O MEI veio para desburocratizar e facilitar a vida do microempresário. O que percebemos é que o público aqui no Uiramutã sabe empreender desde sua comunidade até chegar ao centro urbano. O indígena não depende de ponto fixo. Ele produz farinha em sua comunidade, por exemplo, e a vende direto para o comerciante local. Não há atravessador e isso beneficia os dois lados”, explicou.
Saymon observou ainda que o microempreendedorismo no Uiramutã também ajuda a valorizar a identidade cultural do povo Macuxi. Segundo ele, o “DNA” indígena está na cultura, por isso atravessa gerações, mudando apenas o modelo de produção.
“A prefeitura aderiu ao programa Cidade Empreendedora, do Sebrae/RR, e com isso vem fortalecendo os pequenos negócios que impulsionam o desenvolvimento econômico no município. Hoje, o microempreendedor indígena do Uiramutã planta, colhe e industrializa. Grande parte dessa produção é vendida na própria região, mas alguns produtos já começaram a ganhar o mercado externo. Com apoio do Sebrae, o microempreendedorismo faz a economia girar no município e isso traz melhorias de vida para todos”.
Aumento na arrecadação de tributos – O secretário de Finanças e Planejamento do Uiramutã, Denismar Horta Thomé, informou que houve um aumento significativo na arrecadação de tributos nos últimos dois anos, estimulado, segundo ele, por uma política de atualização do Código Tributário Municipal e pela abertura de novas empresas microempreendedoras no município.
Os tributos arrecadados pela prefeitura nos últimos anos batem com os números de MEI cadastrados no município. Em 2021, por exemplo, a prefeitura arrecadou R$ 337.743,57. No ano seguinte, a arrecadação foi de R$ 598.663,81, com aumento de 56,42%. Já em 2023, ano de maior inscrição de MEI no Uiramutã, a prefeitura arrecadou R$ 7.380.367,52, um aumento de 1.232%.
“Os microempreendedores são de grande importância para a economia do Uiramutã, visto que os mesmos facilitam os pequenos negócios, geram renda e emprego e, consequentemente, promovem o crescimento do empreendedorismo. Por isso, a prefeitura não mediu esforços para melhor atender os microempreendedores, buscando sempre resolver todas as demandas em relação aos alvarás e demais taxas para o funcionamento de seus estabelecimentos”, ressaltou o secretário.
NA COP-30
“Vamos mostrar ao mundo que é possível produzir sem poluir”, diz prefeito
Amilcar Júnior
Prefeito do Uiramutã, Tuxaua Benísio vai levar a cultura Macuxi à COP-30
O prefeito do Uiramutã, Tuxaua Benísio (Rede) disse que a cultura Macuxi será apresentada ao mundo na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada em Belém (PA) em novembro deste ano. A comitiva municipal vai levar produtos indígenas para fazer uma exposição durante o evento.
“Governantes de todo canto do planeta vão participar da Conferência. Então, levaremos nossa cultura para mostrar ao mundo o potencial que temos. Vamos mostrar também que é possível alcançar o desenvolvimento sustentável sem agredir o meio ambiente”, ressaltou o prefeito.
Tuxaua Benísio disse que além da visibilidade mundial, a COP-30 poderá fortalecer o desenvolvimento econômico do Uiramutã, a partir de financiamentos nacionais e internacionais de instituições públicas e privadas que trabalham com as causas indígena e ambiental.
“Hoje, as pequenas empresas são as que mais ajudam a desenvolver nosso município, economicamente, por isso fizemos esta importante parceria com o Sebrae-RR e implantamos a Sala do Empreendedor. Contudo, é preciso correr atrás de mais investimentos para que nosso povo continue produzindo”, finalizou o prefeito.