Professores indígenas do Uiramutã, ao Norte de Roraima, denunciam o presidente da Câmara de Vereadores, Max Ferreira, o “Lobão” (Republicanos), por discriminação, assédio e abuso de autoridade. Sem autorização, segundo os denunciantes, o parlamentar invadiu várias escolas municipais na terra indígena Raposa Serra do Sol, intimidou servidores, interrompeu aulas e gravou vídeos de cunho político.
A professora indígena Renildes Pereira da Silva, que trabalha na escola municipal indígena Mãe Eliza de Lima, na comunidade indígena Uiramutã, contou que passou momentos difíceis no começo deste mês, quando o vereador Lobão invadiu a escola e entrou na sala de aula sem pedir licença.
A professora contou que se sentiu descriminada porque o presidente da Câmara usou o ambiente escolar para fazer politicagem. “Ele nos causou constrangimento e nos desrespeitou. Não concordo com essa postura. O vereador deveria trabalhar com ética”.
Também professora indígena da escola municipal Mãe Eliza, Tâmara Garcia disse que a fiscalização feita pelos vereadores deveria ser direcionada para melhorar o ambiente escolar, e não por motivações políticas.
No dia do ocorrido, Lobão estava com outros três vereadores, que também participaram do vídeo gravado nas dependências da escola sem autorização. Contudo, segundo os professores, apenas o presidente da Câmara não respeitou os servidores. “Ele falava alto que era vereador e que por isso tinha o direito de fiscalizar e filmar”, lembrou.
Responsável pela escola, o professor indígena Gecilvaldo Duarte da Costa confirmou que o vereador não pediu autorização para entrar e filmar dentro da escola. “Ele chegou sem avisar, dizendo que estava fazendo fiscalização. Depois, entrou em salas de aula e começou a filmar. Nos sentimos coagidos. Ele não respeitou nosso ambiente escolar e isso é inadmissível. É abuso de autoridade”, observou.
Tuxaua não autorizou
O tuxaua da comunidade indígena Uiramutã, Orlando Pereira da Silva, lamentou o episódio e disse que os vereadores não pediram autorização para entrar. “Esta é nossa terra, nossa casa. Portanto, eles deveriam ter mais respeito e pedir autorização, mas vieram aqui e gravaram vídeos denegrindo nossa imagem. Isso não é fiscalização, não é trabalhar pelo povo. Isso é desrespeito com nossa gente, com nossa cultura”, criticou o tuxaua.
Gestoras alegam que foram “usadas” pelo presidente
Na semana seguinte, o presidente da Câmara fez a mesma coisa na escola municipal indígena Cícero Canuto de Lima, na comunidade indígena Monte Moriá I. Ele entrou sem permissão, fez fotos e gravou vídeos. O tuxaua Antônio Samuel não autorizou a entrada dos vereadores na comunidade.
A gestora da escola, Karla Janine Rodrigues, lembrou que Lobão chegou dizendo que estava fazendo vistoria. “Então, ele entrou e começou a filmar tudo, livros didáticos, biblioteca, salas de aula, banheiros. Pensei que ele faria um relatório, mas depois foi divulgado um vídeo político em grupos de mensagem, mostrando inclusive a imagem de nossos servidores sem permissão”, lamentou.
São Francisco – Na comunidade indígena São Francisco, o presidente da Câmara novamente não respeitou os servidores da escola municipal indígena Amooko Francisco Pereira. Sem permissão para entrar na comunidade, Lobão mesmo assim invadiu a escola e começou a filmar. O vereador alegava que estava cumprindo seu papel, mesmo sem a direção escolar e a comunidade autorizarem sua entrada.
“Na hora não desconfiei que ele estava usando a escola para fazer politicagem. Sinceramente, me senti discriminada e intimidada. Nunca imaginei que passaria por isso. Se ele acha que pode fiscalizar desse jeito, tem que pelo menos respeitar o ambiente escolar, mas a atitude que ele tomou foi muito errada”, lamentou a responsável pela escola, professora Rosaleide Mara.
Após o triste episódio, a gestora avisou que não vai mais receber vereadores, só se forem autorizados pela comunidade e do tuxaua, Onédio Galé. “Quando vi o vídeo circulando nos grupos de mensagem daqui, percebi que fomos usados pelo vereador. Isso não se faz. É triste ver um representante do povo que não respeita o povo e que usa o cargo para benefício próprio”, lamentou.
Rosaleide finalizou dizendo que isso tem que parar. “Ele interrompe aula, amedronta alunos, assedia professores e grava vídeos de acordo com seus interesses. Na verdade, este vereador está usando as escolas municipais para fazer politicagem”, criticou.
Morro – Dias depois de invadir a escola na comunidade indígena São Francisco, o presidente da Câmara tentou gravar um vídeo na comunidade indígena Morro, mas foi impedido pelo tuxaua, que pediu para que ele se retirasse porque não havia sido autorizado a entrar na comunidade.
Mutum – Expulso do Morro, Lobão então foi até a comunidade indígena do Mutum e lá, segundo moradores, abusou novamente de sua autoridade. Ele entrou na escola municipal indígena Amélio Moraes e fez mais um vídeo de cunho político, alegando que estava fazendo o papel de vereador.
Advogado explica que vereador não pode entrar sem permissão
O advogado Alex Ladislau explicou que em regra, o vereador pode visitar escolas públicas municipais, mas não sem a autorização da Direção ou da Secretaria Municipal de Educação. A lei, segundo ele, impõe limites claros para essa atuação porque a escola é um ambiente pedagógico e as salas de aula são espaços de ensino, e não de fiscalização política, de acordo com a lei.
Alex fez algumas advertências. Ele disse que o vereador não pode interromper aulas, nem fazer filmagens sem a devida autorização dentro do ambiente escolar. O advogado observou ainda que a presença do vereador em sala de aula pode configurar abuso de autoridade, perturbação de ambiente escolar ou uso político do espaço público, o que é vedado pela Legislação Eleitoral e pelo princípio da impessoalidade.
Alex explicou a forma correta de fiscalizar. O vereador, de acordo com a lei, deve agendar a visita com a Direção da escola ou com a Secretaria de Educação. Ele também deve visitar as dependências da escola sem atrapalhar o funcionamento. Depois, segundo o advogado, o vereador pode fazer um relatório ou requerimento à Câmara para cobrar soluções do Executivo, se algo estiver errado.
Mas no caso do vereador entrar em uma escola para fins políticos, ele pode responder por infração ética e quebra de decoro parlamentar (na Câmara), abuso de autoridade (Lei 13.869/2029, art. 33) e abuso de poder político (Lei Complementar 64/1990).
Secretário lamenta episódio e vai acionar a Justiça
O secretário de Educação do Uiramutã, Damázio de Souza Gomes, lamentou a falta de respeito com os professores indígenas do município e repudiou a atitude irresponsável, segundo ele, do presidente da Câmara de Vereadores, Max Ferreira.
Damázio informou que a partir das denúncias, vai acionar o setor Jurídico da Prefeitura para que o presidente da Câmara seja responsabilizado pelo assédio que vem fazendo aos professores. Segundo o secretário, é inadmissível que servidores da Educação sofram represálias e sejam coagidos dentro do ambiente escolar.
“É papel do vereador fiscalizar, mas dentro da lei, o que explicitamente não vem acontecendo. Portanto, não vamos mais tolerar que nossos professores passem por situações humilhantes como essas, por isso vamos formalizar as graves denúncias junto aos órgãos competentes e cobrar providências”, avisou Damázio.
Nos próximos dias, o secretário adiantou que vai encaminhar uma representação à Câmara de Vereadores, denunciando Lobão pelos ataques infundados contra a Educação municipal. Com a medida, segundo Damázio, os vereadores poderão criar uma comissão processante para apurar os fatos.
No caso dos professores que estão se sentindo coagidos pelo vereador, Damázio informou que o município dispõe de um setor psicossocial que atende e faz o acompanhamento de servidores abalados emocional e psicologicamente.
“Se o vereador soubesse o quanto é difícil fazer Educação no Uiramutã, o quanto nossos professores são guerreiros, ele não faria o que está fazendo. É lamentável um presidente de Câmara agir ao arrepio da lei, fiscalizando por interesse próprio. Isso é perseguição política e quem perde é o povo. Portanto, vereador Lobão, pare de invadir nossas escolas, pare de amedrontar e assediar nossos professores, pare de politicagem, respeite e nos deixe trabalhar”.
Funai e CIR – A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR) informaram à reportagem que vão se pronunciar assim que as denúncias forem formalizadas.