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DPE EM AÇÃO

“Minha filha vai ter registro”

Defensores públicos pegam a estrada e levam assistência jurídica às comunidades indígenas mais distantes de Roraima

AMILCAR JÚNIOR
Reportagem

Indígena macuxi, Ionícia Pereira dos Santos, de 36 anos, acordou cedo e andou mais de uma hora, com sua bebê no colo, para tirar a certidão de nascimento da filha, Sheila dos Santos, de apenas seis meses. Ela foi mais uma atendida pelo programa Defensoria Itinerante, que faz parte de um mutirão de cidadania formado por vários órgãos públicos de Roraima.
Debaixo de muita poeira e um sol escaldante, dona Ionícia, que é mãe de sete filhos, teve que andar de sua comunidade indígena, a Prododó, até a Monte Moriá 1, a 11 quilômetros da sede do município do Uiramutã, no extremo Norte de Roraima. Mas apesar das dificuldades, a indígena disse que o esforço valeu a pena. 

Foto: Jardeson Pinho

Indígena macuxi, Ionícia dos Santos andou horas com sua bebê no colo e conseguiu registrar a filha: “valeu a pena”

“A gente não tem condições de ir até a Capital. Até mesmo ir à sede do município é muito difícil, pois moramos em uma comunidade afastada. Por isso, toda vez que eles (defensores públicos) vêm aqui, aproveitamos para resolver nossos problemas. Minha filha agora vai ter registro de nascimento. Então, valeu a pena andar horas, debaixo de sol e poeira, com ela no colo”, disse dona Ionícia, atendida no dia 20 de março passado, na escola municipal indígena Cícero Canuto de Lima, na comunidade Monte Moriá 1. 

O Defensoria Itinerante é um programa de ações desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado (DPE), em parceria com a Justiça de Roraima, Defensoria Pública Federal (DPF), Fundação Nacional Indígena (Funai), Receita Federal, Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e outros órgãos públicos. É um mutirão de cidadania que leva serviços essenciais às comunidades mais distantes de Roraima. 

DPE

“Nossa missão é atender a todos”, diz defensora

Foto: Jardeson Pinho

A defensora pública Elceni Diogo, em entrevista na comunidade Monte Moriá I, falou dos desafios para atender a todos

Dentro do mutirão da cidadania, o trabalho da DPE é de fundamental importância, em especial, para os indígenas que moram afastados dos centros urbanos. A defensora pública Elceni Diogo falou dos desafios, tanto da equipe da DPE, quanto desses brasileiros que vivem quase isolados, em vulnerabilidade social, longe dos serviços públicos assegurados por lei.
“Essas pessoas não têm condições de se deslocar até a comarca do município de Pacaraima, que atende ao Uiramutã, pois a longa distância e a falta de condição financeira os impede. Então, vamos até essas comunidades afastadas com o desafio de atender a todos, sem exceção”, ressaltou a defensora.

O pedido de segunda via de certidão de nascimento na DPE é um dos mais solicitados pelo público indígena. Mas a equipe da Defensoria também providencia exame de DNA, teste de paternidade, pensão alimentícia, promove conciliações e faz até casamentos. Apenas este ano, antes do mutirão chegar ao Uiramutã, o Defensoria Itinerante atendeu 703 indígenas em Normandia, município também ao Norte de Roraima.

Excepcional – O trabalho dos servidores da DPE não se resume apenas à emissão de documentos e outros atendimentos jurídicos. Elceni contou um caso que retrata muito bem o quanto a missão dos defensores é árdua nas comunidades mais distantes do Estado.

“Um indígena foi picado por uma cobra venenosa, em uma comunidade muito longe, a Caracanã, no interior do Uiramutã. Ele ficou cego e sem poder andar. Então, tivemos que ir buscá-lo para que fosse atendido aqui, na Monte Moriá. E agora, junto ao INSS, vamos providenciar a aposentadoria dele”, adiantou a defensora.

A situação acima, conforme Elceni, é excepcionou, mas a DPE não mede esforços para atender a todos que necessitem de serviços jurídicos. “Ninguém pode ficar sem atendimento. Como disse: esse é o nosso maior desafio. Buscamos não deixar pendência alguma, atendendo a todos, sem exceção”, frisou.

As dificuldades, como a defensora colocou, não são apenas para aqueles que precisam de assistência jurídica da DPE, mas de todos que trabalham no atendimento aos mais necessitados.

“Só para se fazer ideia, quando chegamos hoje aqui, na Monte Moriá, não tinha energia elétrica por falta de combustível no motor. Então, uma vereadora do município teve que se deslocar até a sede para conseguir o diesel com a prefeitura. Foi quando abasteceram o gerador da comunidade e começamos a atender”, contou.

Mas mesmo com todas as dificuldades, a defensora disse que o trabalho é muito gratificante, pois leva cidadania e Justiça a pessoas carentes que vivem longe, muito distante dos serviços públicos essenciais aos brasileiros. “Esse é nosso trabalho e vamos continuar, mesmo com as dificuldades”, finalizou Elceni. 

EM 2022

Mais necessitados recebem benefícios

Foto: Jardeson Pinho

Indígenas de Uiramutã aguardam na fila para serem atendidos pelo Defensoria Itinerante, na escola Cícero Canuto, na comunidade Monte Moriá 1

Tuxaua da comunidade Monte Moriá 1, Antônio Samuel, macuxi de 56 anos, falou da importância do mutirão da cidadania e confirmou o que a defensora pública Elceni Diogo já havia dito.

“São muitas dificuldades. Então, fica difícil ir à Capital, ou até mesmo à sede do município, atrás desses serviços. Por isso, é muito importante que eles venham até nós. É um benefício, pois as mães conseguem registrar seus filhos e nossa gente também aproveita para tirar outros documentos”, ressaltou o tuxaua.

Distante a 11 quilômetros da sede do Uiramutã, a comunidade Monte Moriá 1 tem atualmente 410 indígenas. São 73 famílias que sobrevivem, principalmente, da agricultura de subsistência e da criação de porcos e aves.

“Plantamos mandioca, milho, feijão e banana. Também criamos pequenos animais, mas tudo é para o nosso consumo, por isso não dispomos de condição financeira. Hoje, a nossa maior necessidade é ter energia elétrica segura e internet, mas como não temos, nossos jovens, em especial, não conseguem prosseguir com os estudos e nem tirar os documentos necessários. Daí a importância desses serviços públicos chegarem até aqui”, observou o tuxaua.

EM 2022

DPE Itinerante fez 11.987 atendimentos

A Defensoria Pública do Estado, em 2022, atendeu 11.987 pessoas, sendo 7.476 assistências exclusivas da DPE e 4.511 emissões de Identidade, em parceria com o Instituto de Identificação Odílio Cruz (IIOC). Os serviços mais procurados foram: 2ª via de Certidão de Nascimento (2.887) e orientações jurídicas (932).

MUNÍCIPIOS:

AMAJARI – 570
ALTO ALEGRE- 246
BOA VISTA – 2.806
BONFIM – 813
CANTÁ – 334
CARACARAÍ – 366
CAROEBE – 610
IRACEMA – 599
MUCAJAÍ – 77
NORMANDIA – 848
PACARAIMA – 665
RORAINÓPOLIS – 938
SÃO JOÃO DA BALIZA – 160
SÃO LUIZ DO ANAUÁ – 13
UIRAMUTÃ – 2.756
BAIXO RIO BRANCO – 186

TOTAL – 11.987

1ª DO BRASIL

CAPI-Indígena, uma ideia que deu certo

Em setembro de 2012, a Defensoria Pública de Roraima criou, em Boa Vista, a Central de Atendimento e Peticionamento Inicial (CAPI), um órgão auxiliar com objetivo de diminuir o tempo de espera e acelerar o primeiro atendimento do assistido junto à DPE.

A CAPI deu tão certo que a proposta se expandiu e chegou à comunidade indígena Waimiri-Atroari, na fronteira de Roraima com o Amazonas. Foi a primeira CAPI-Indígena do Brasil, um feito inédito para Roraima. E o resultado foi surpreendente. Apenas em 2022, a CAPI Waimiri-Atroari realizou 184 atendimentos. E o que é melhor. Nenhum indígena teve que sair de sua comunidade para tirar documentos ou resolver outras pendências jurídicas.
Os atendimentos na CAPI são feitos pelos próprios indígenas, os Kinjas, que antes receberam treinamento dos servidores da DPE. O trabalho é coordenado pela titular da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da DPE-RR, a defensora pública Elceni Diogo.

Sem dúvida, o primeiro ano de implantação da CAPI-Indígena já mostrou que o projeto pode servir de exemplo e ser aplicado em outras terras indígenas de Roraima e do Brasil. O programa também é uma amostra da essência da Defensoria Pública, que tem a missão de garantir o acesso à Justiça para todos, sem distinção.

A CAPI Waimiri-Atroari fica no cruzamento da BR-174 com o rio Alalaô, na fronteira de Roraima com o Amazonas, e atende as demandas judiciais de mais de 2.436 povos originários, distribuídos em mais de 70 comunidades da reserva indígena.

Exemplo a ser seguido – Inovador no Brasil, o programa da DPE de Roraima, CAPI Waimiri-Atroari, venceu o concurso de Práticas Exitosas no XV Congresso Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Conadep). Mais de mil defensores de todo País participaram do evento, em Goiânia (GO), em novembro do ano passado.

O tema foi a “Defensoria Pública, futuro e democracia: superação de retrocessos e novos desafios”. O Conadep selecionou 51 trabalhos de Defensorias de todo País para julgamento das bancas avaliadoras. Foram 28 práticas e 23 teses finalistas. O inédito programa da DPE de Roraima foi o grande vencedor.

Oleno anuncia implantação de mais 3 CAPI’s

Foto: Arquivo

Defensor público-geral, Oleno Matos disse que a previsão é que a DPE implante mais três CAPI’s indígenas, ainda este ano, em Roraima

Se a CAPI Waimiri-Atroari, criada pela Defensoria Pública de Roraima, deu tão certo, como mostram os números de atendimento acima, porque não a implantar em outras terras indígenas de Roraima?

Para responder a esta pergunta, o Crazy News entrevistou o defensor público-geral da DPE de Roraima, Oleno Matos, que deu uma boa notícia. “Está prevista ainda para este ano, a implantação de mais três CAPI’s indígenas no Estado, que vão beneficiar os povos Ingaricó, Wai-wai e Macuxi”.

Oleno adiantou também que até o final de abril deste ano, defensores públicos e técnicos da DPE vão se reunir com os indígenas dessas comunidades, de difícil acesso, para discutir e acertar os últimos detalhes para a implantação da CAPI.
“Vamos conversar com os indígenas e acertar os últimos detalhes para depois dar início ao processo de implantação da CAPI nessas comunidades”, assegurou o defensor público.
Oleno ressaltou ainda que, a partir da implantação da CAPI nessas comunidades, os técnicos da DPE capacitarão os indígenas que farão os atendimentos lá mesmo. A DPE apenas vai acompanhar o trâmite do processo na Justiça, como já faz na CAPI Waimiri-Atroari.

“Eles serão atendidos lá mesmo, na comunidade, e não terão mais que se deslocar até a Capital, gastando dinheiro e correndo riscos. É uma despesa a menos tanto para eles, quanto para nós, da DPE, que não precisaremos mais nos deslocar até lá”, observou o defensor.

 Depende – Mas Oleno explicou que a implantação das novas CAPI’s depende do Tribunal de Justiça de Roraima, responsável pela abertura do sistema de informações, o Projudi, que dá acesso aos processos gerados pela Justiça Itinerante.

“As ações da CAPI são geradas pela Vara da Justiça Itinerante. E os indígenas que atuam na Central precisam acessar esses processos. Então, o Tribunal de Justiça de Roraima tem que disponibilizar o acesso por meio do Projudi”, explicou Oleno.

 

APÓS IMPLANTAÇÃO

Justiça vai disponibilizar Projudi

A juíza Graciete Sotto Mayor, responsável pela Vara da Justiça Itinerante, da comarca de Boa Vista, disse que o Tribunal de Justiça de Roraima (TJ/RR) tem o maior interesse em ampliar o programa que leva atendimento jurídico às comunidades indígenas de Roraima, mas é preciso saber antes, conforme a meritíssima, se a comunidade tem o mesmo interesse e quais os serviços que ela necessita.

“A gente não chega na casa dos outros sem bater. Então, não se pode entrar em uma comunidade sem que ela não demonstre interesse. Também temos que saber qual a necessidade dessa comunidade para que a Justiça faça a ampliação do programa, disponibilizando os serviços demandados, mas antes temos que fazer toda uma articulação”, observou Graciete.

Mas a juíza deixou bem claro que é de interesse, sim, do TJ de Roraima disponibilizar o Projudi, que é o Processo Judicial digital, às comunidades indígenas a partir da implantação da CAPI, uma vez que todos os processos hoje são digitais em Roraima, conforme explicou Graciete.

“A partir da implantação do programa é preciso capacitar os indígenas que irão atuar na própria comunidade. É preciso também fazer testes. Portanto, há toda uma logística antes da criação de um posto avançado”, observou Graciete.
No caso da CAPI Waimiri-Atroari, que deu certo e virou referência nacional, a juíza ressaltou que o trabalho em parceria foi de fundamental importância. Lá, na terra dos Kinjas, além da Central da DPE, também foi instalado um posto avançado da Justiça roraimense, o que também contribuiu muito para a prestação dos serviços.

“A defensora pública Elceni fez a capacitação dos indígenas. E hoje eles próprios peticionam, pois têm minuta pronta e acesso garantido ao Projudi. Eles encaminham o processo à defensora, que verifica se está tudo certo. Daí é feita a petição inicial, pela qual se dá início ao processo judicial”, explicou Graciete.
A juíza finalizou a entrevista, reconhecendo que o inovador programa da DPE de Roraima é exitoso e que está dando muito certo. Portanto, segundo ela, o desejo de ampliação por parte do Tribunal de Justiça de Roraima é enorme, mas com parâmetros.

“É sim do interesse do TJ, da Justiça Itinerante, a ampliação do atendimento às comunidades indígenas e outras distantes, com as do Baixo Rio Branco, por exemplo. Portanto, o que pudermos fazer para facilitar esse acesso, vamos fazer. Essa também é a intenção do TJ: facilitar e levar atendimento jurídico a todos”, finalizou. 

Uiramutã vai ganhar Núcleo da DPE

O defensor público-geral, Oleno Matos, também deu outra notícia boa para as demais comunidades indígenas que moram no extremo Norte do País. A Defensoria Pública do Estado vai implantar um Núcleo na sede do município do Uiramutã. A previsão é para junho deste ano. 

Oleno disse que já existe um Núcleo da DPE no município do Cantá. E agora, em meados de 2023, a Defensoria Pública vai instalar mais dois núcleos, no Uiramutã e no município de Normandia, também ao Norte de Roraima. 

“Já conversamos com o prefeito, tuxaua Benísio, que nos cedeu um espaço físico para implantarmos o Núcleo na sede do município. A previsão é que em meados deste ano, a DPE implante este Núcleo no Uiramutã. Com certeza, isso vai facilitar a vida de muitas pessoas que estão em vulnerabilidade social e que moram em comunidades afastadas”, ressaltou Oleno.

Foto: Jardeson Pinho

Prefeito do Uiramutã, tuxaua Benísio de Souza disse que a parceria com a DPE é muito importante para desenvolver o município

Mais de 90% da população do Uiramutã é formada por indígenas. É no município também que se encontra uma das maiores reservas indígenas do Brasil, a Raposa Serra do Sol. A implantação do Núcleo da DPE no Uiramutã, sem dúvida, vai facilitar a vida de milhares de brasileiros que vivem distantes e que precisam de atendimento jurídico.

O prefeito do Uiramutã, tuxaua Benísio de Souza, também falou dos benefícios à população, a partir da implantação do Núcleo da DPE na sede do município.

“Conheço a realidade do meu povo. O município é carente. Então, essa parceria entre prefeitura do Uiramutã e Defensoria Pública do Estado traz um grande benefício para os moradores daqui, que a partir da implantação deste Núcleo, não terão mais que se deslocar até Pacaraima ou à Capital para resolver pendências jurídicas”, ressaltou Benísio.

O prefeito disse também que a sala destinada ao Núcleo da DPE fica na Secretaria Municipal de Ação Social, na sede do município, e que até junho deste ano já estará atendendo a população do Uiramutã.

“Essa é mais uma parceria nossa. O município está crescendo e isso é muito importante para desenvolvê-lo. Assim que o Núcleo for inaugurado, vamos comemorar, pois nosso povo merece”, ressaltou Benísio.

Confira o vídeo da entrevista com o prefeito do Uiramutã, tuxaua Benísio de Souza.